Luciano Lima

Brasil: o atraso e o extraordinário

Por Luciano Luz de Lima
Mestre em Ciência Política, secretário de Assuntos Internacionais do PT/RS
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Já passava das 19h no domingo, em meio à felicidade pelo que já indicavam as projeções da apuração da eleição presidencial, eu começava a trocar mensagens e telefonemas com amigos comemorando a vitória de Lula. Em um desses telefonemas ouvi a ponderação de que "mesmo com todos os horrores dos quatro anos desse governo, ele fez quase metade dos votos", ao que prontamente respondi que deveríamos observar o histórico do país que vivemos.

Somos um país marcado pelo atraso, formado pela invasão portuguesa alicerçada em mais de 300 anos de escravidão que foi justificada com a criação de uma ideologia racista que persiste até hoje, e que permitiu não só a escravidão do passado como a atual superexploração da força de trabalho de milhões de brasileiros negros. A estrutura de exploração que forma nossa sociedade também produziu ideologias elitistas que permitem justificar a mesma superexploração de outros tantos milhões de trabalhadores de todas as cores, credos e gêneros. Nosso papel na economia mundial ficou consolidado como exportador de bens primários, o primeiro estadista republicano que tivemos foi levado ao suicídio, o começo de um país independente com esforços de desenvolvimento das décadas de 50 e 60 foi brutalmente interrompido por um golpe militar a que se seguiu um regime de violência e tortura, o passado recente manteve e aprofundou um abismo social gigantesco que criou uma classe média temerosa e ressentida, sendo presa fácil a qualquer esboço de liderança fascista e reativa a sinais de emergência social dos mais pobres.

No contexto desse país, formado pelas diversas dimensões do que pode ser chamado de atraso, o surgimento de um movimento político oriundo do meio operário, combinado com diversas correntes do pensamento e da luta política das décadas de resistência à ditadura, mais o caldo popular de uma Igreja outrora voltada à libertação dos mais pobres, ser capaz de, ao longo de 20 anos, em meio a transformações do mundo ao seu redor e de si mesmo, vencer eleições presidenciais, governar em sentido de emancipar o país e após ser derrubado e sofrer enorme campanha de desmoralização, se recompor e liderar uma frente ampla para derrotar a pior expressão política da classe dominante brasileira, é algo absolutamente extraordinário.

Igualmente extraordinária é a constituição da liderança que se tornou síntese dessa luta popular contra a condição de atraso no nosso país. Uma criança condenada a morte pela fome no Nordeste da década de 40, que chegou a São Paulo sob a coragem da mãe que o fez um sobrevivente, tornou-se liderança de seus iguais das fábricas do ABC e dirigiu com outros tantos e tantas a formação do mais importante partido da história brasileira. A identificação desse operário com nosso povo o fez presidente da República em um governo que, mesmo cheio de contradições, foi enormemente favorável aos mais pobres. Mas o preço pago por vencer politicamente a elite econômica e confrontar interesses do imperialismo foi alto. Um golpe de Estado contra sua sucessora e uma campanha de desmoralização pessoal levada a cabo por uma fraude judicial que culminou em sua prisão política. Deveria ter sido o fim, só poderia ser o fim. Mas o extraordinário insiste em enfrentar o atraso no Brasil, e Lula é mais uma vez livre e lidera a libertação do país do fascismo resultante do golpe de 2016.

Portanto, não é surpreendente que o atraso se apresente com força nos processos políticos no Brasil. Surpreendente é a capacidade de nosso povo explorado em produzir o extraordinário e derrotar o atraso. Entre o atraso e o extraordinário há uma longa luta ainda a ser travada, agora em condições mais favoráveis aos que desejam um futuro de paz e igualdade social, para extraordinariamente fazer do Brasil um país soberano e livre do subdesenvolvimento.

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